sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Surrealismo e Moda

Por Danieli Irene e Mayara Leão


Resumo: Arte e Moda são áreas que por diversas vezes dialogam entre si.  Essa relação estabelece um discurso, seja quando a roupa e o tecido tornam-se suporte para a criação do artista ou quando o estilista preocupa-se menos com o aspecto funcional do vestuário e se expressa artisticamente sobre este. As vanguardas do século XX praticaram esse diálogo, principalmente para questionarem as situações políticas, econômicas, sociais e culturais da época e também para interagir com a sociedade. O movimento surrealista foi uma dessas vanguardas artísticas que dialogaram com a moda, e até hoje, estilistas a tem como inspiração e fazem alusões ao movimento e suas idéias e conceitos.
Palavras chave: Arte, Moda, Surrealismo.
O diálogo entre Arte e Moda começou a ocorrer no início do século XX, não somente com intenções estéticas, mas também para expressar ideologias e críticas referentes à sociedade da época. O autor Florence Muller, reflete sobre o diálogo Arte e Moda:

“ As afinidades observadas visualmente correspondem a atitudes bem diferenciadas: repensar a vida por meio do vestuário, rever o sistema da moda, criar sinergias arte-moda para imprimir alma à indústria, enfim, empregar o vestuário como suporte de expressão artística.” ( MULLER, 2000, p. 4)

A relação entre as duas áreas ocorre de duas formas: quando os artistas utilizam-se do vestuário como prolongamento em três dimensões das suas pesquisas, fugindo da materialidade plana da tela, e também para interagir com a sociedade. E também quando os estilistas se inspiram nas artes para criarem suas coleções ou até mesmo quando as imprime em suas roupas. Tal diálogo ocorreu de forma singular durante o movimento surrealista.

Nas duas primeiras décadas do século XX, os estudos psicanalíticos de Freud e as incertezas políticas criaram um clima favorável para o desenvolvimento de uma arte que criticava a cultura européia e a frágil condição humana diante de um mundo cada vez mais complexo. Surgem movimentos estéticos que interferem de maneira fantasiosa na realidade.

      O surrealismo foi, por excelência, a corrente artística moderna da representação do irracional e do subconsciente. Suas origens devem ser buscadas movimento dadaísta e na pintura metafísica de Giorgio De Chirico.

         Esse movimento artístico tem como característica o livre manifesto da imaginação, sem o freio do espírito critico: o que vale é o impulso psíquico. Os surrealistas deixam o mundo real para penetrarem no irreal, pois a emoção mais profunda do ser tem todas as possibilidades de se expressar apenas com a aproximação do fantástico, no ponto onde a razão humana perde o controle.

         A publicação do Manifesto do Surrealismo, assinado pelo escritor francês André Breton em outubro de 1924, marcou historicamente o nascimento do movimento. Nele se propunha a restauração dos sentimentos humanos e do instinto como ponto de partida para uma nova linguagem artística.  Para isso era preciso que o homem tivesse uma visão totalmente introspectiva de si mesmo e encontrasse esse ponto do espírito no qual a realidade interna e externa são percebidas totalmente isentas de contradições.

           A livre associação e a análise dos sonhos, ambos métodos da psicanálise freudiana, transformaram-se nos procedimentos básicos do surrealismo, embora aplicados a seu modo. Por meio do automatismo, ou seja, qualquer forma de expressão em que a mente não exercesse nenhum tipo de controle, os surrealistas tentavam plasmar, seja por meio de formas abstratas ou figurativas simbólicas, as imagens da realidade mais profunda do ser humano: o subconsciente.

          Foi através da pintura que as idéias do surrealismo foram melhor expressadas. Por meio de telas e tintas, os artistas plásticos colocavam suas emoções, seu inconsciente e representavam o mundo concreto.

     O movimento artístico dividiu-se em duas correntes. A primeira, representada principalmente por Salvador Dalí, que trabalhava com distorção e justaposição de imagens conhecidas. Sua obra mais conhecida nesta linha é “ A Persistência da Memória” (Fig. 1) , na qual aparecem relógios desenhados de tal forma que parecem estar derretendo. Dalí foi o artista surrealista que trabalhou com freqüência em parceria com a estilista Elsa Schiaparelli, o que será abordado adiante. Outro artista dessa linha que é bastante conhecido é René Magritte, que pintou o famoso quadro “ Isso não é um cachimbo” (Fig. 2).



Figura 1: “A persistência da memória” de Salvador Dali


Figura 2: “Isso não é um cachimbo” de René Magritte





Figura 3: “O carnaval de Arlequim” de Joan Miró.



Figura 4: “A cantora melancólica” de Joan Miró


              Os artistas da segunda corrente libertam a mente e dão vazão ao inconsciente, sem nenhum controle da razão. Joan Miró e Max Ernest representam muito bem essa linha. As telas apresentam-se com formas curvas, linhas fluídas e com muitas cores. “O Carnaval de Arlequim” (Fig. 3) e “A Cantora Melancólica” (Fig. 4), são as duas pinturas de Miró que representam muito bem esta vertente do surrealismo.


“A mente que mergulha no surrealismo revive, com exaltação, a melhor parte de sua infância.”, citação do Manifesto Surrealista de 1924, que resume o mundo lúdico e irreal buscado pelo surrealismo e que é tão comum para as crianças.

Com as novas idéias propostas pelo movimento surrealista, a moda é logo atraída e não demora a incorporar seus conceitos. Eles são imediatamente introduzidos ao mundo da alta costura, a começar pelos desfiles, que tornam-se inusitados, com encenações oníricas de criações de alta-costura irreais. A moda também será capturada pelas lentes do fotógrafo surrealista Man Ray. Mas, talvez, a parceria mais conhecida seja da estilista Elsa Schiaparellie do artista Salvador Dalí.

 A estilista em parceria com Dalí criava tecidos e roupas com tromp-l’oeil — técnica artística que cria ilusões de ótica através de truques de perspectivas — além de outras estampas como lagostas, e moscas. A parceria também influenciou na criação de objetos inusitados como a bolsa telefone, chapéu sapato (Fig. 5), colar aspirina, e um tailleur-escrivaninha com bolsos em forma de gaveta. Enfim, o surrealismo era a principal fonte de inspiração para a estilista.




Figura 5: Chapéu sapato de Elsa Schiaparellie

          Na contemporaneidade, estilistas como Viktor & Rolf criam coleções/manifestos que somam elementos surrealistas e culturais da sua terra natal, a Holanda. O estilista britânico Alexander Mcqueen permitia-se inventar inúmeras superfícies e shapes com deslocamentos de seus universos originais, gerando, assim, mulheres pássaros e répteis. Outro estilista que bebe da fonte surrealista é Hussein Chalayan ao incorporar à roupa elementos do cotidiano, como uma mesa, por exemplo, (Fig. 6).



Figura 6: Saia mesa de Hussein Chalayan

          A fotografia também se inspira no surrealismo, quando por exemplo toda a revista traz editoriais inspirados nas obras de René Magrite, como aconteceu com a edição da revista Mag de abril de 2011. As fotos traziam referenciais claros das obras do artistas, como maças, cachimbos, gaiolas e chapéus cocos (Fig. 7).


Figura 7: Fotografia de Paulo Marinez para a revista Mag, abril de 2011.

O surrealismo é uma fonte inesgotável de inspiração, que durante quase um século, já infundiu a moda de diversas maneiras e ainda tem muito o que contribuir para esse universo, uma vez que a moda sempre busca uma fuga da realidade, uma fantasia, uma maneira de tornar o mundo mais divertido e diferente.


Referências

CHIPP, Herschel Browning. Teorias da Arte Moderna. Tradução Waltensir Dutra. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996, 675 p.

MULLER, Florence. Arte & Moda. São Paulo: Cosac & Naif Edições, 2000, 80p.

SAADI, Amel. Moda Autoral- Diferentes abordagens para sua compreensão. Artigo produzido para pesquisa de iniciação cientifica “Metodologia em Arte, Design e Moda” na Universidade FUMEC, julho 2011.

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