segunda-feira, 11 de junho de 2012

Moda e Identidade


Por: Fernanda Moraes e Lara Rogedo

Resumo: O artigo faz uma análise sobre o corpo, sobre a moda e os relaciona com a identidade. As relações entre moda e corpo são apresentadas, a fim de demonstrar a intrínseca dependência entre ambos. A aparência física comprova aquilo que cada um quer mostrar de sua subjetividade, seja para estar em sintonia com a moda, seja para se sentir bem. Há um conflito constante no mundo da moda: de um lado o desejo de distinguir-se dos demais, de quebrar as regras do jogo, ainda que temporariamente - ideia de singularidade, vontade de nos tornamos nós mesmos - e do outro há a necessidade de imitação como modo de estabelecer uma proximidade com o outro. Há um terreno esplêndido para a moda expandir-se e funcionar na subjetividade como um dos vetores mais importantes na constituição do sujeito. A Moda diz respeito a uma questão essencial para os contemporâneos, talvez a mais essencial de todas: a de sua identidade.

Palavras-chave: Corpo, Moda e Identidade.

A moda, denominada por muitos um fenômeno fútil e um caso frívolo, determina o estilo de vida e o hábito dos cidadãos. 
Pode ser considerado um fenômeno cultural e social, ligado a uma experiência de um tempo e àquilo que é visível. Através dela, é possível compreender o tempo e o contexto em que está inserida.
A vida coletiva e moderna é ditada pela moda, que está no topo do poder, no comando das sociedades. “A moda não é mais um enfeite estético, um acessório decorativo da vida coletiva; é sua pedra angular.” (Lipowetsky, 2009)
O indivíduo utiliza a moda para se distinguir, se diferenciar, para tentar uma agregação no meio social desejado e para atingir desejos. A pessoa se expressa através do vestuário e isso faz com que ela se signifique e se afirme no mundo.  A moda é parte do comportamento humano pelo fato de ela ter criado uma supervalorização da imagem, levando as pessoas a acreditarem que o corpo é o principal local da identidade. A indumentária é o elemento mediador entre o homem e a cultura (Cidreira, 2005).
O “parecer” é tema central de qualquer discussão, pesquisa e estudo sobre moda, pois é o vestuário que proporciona ao homem “toda a heterogeneidade de sua ordem” e o significa no mundo (Lipowetsky, 2009)
No meio social, o trajar assume a condição de texto e permite uma leitura sobre a identidade de cada um. Isso faz com que o indivíduo possa se apropriar de diversos signos que passem mensagens sobre ele. A vestimenta sempre foi fator modificador, transformador do corpo humano. A aparência corporal é um conjunto de determinismos estruturais e culturais, que são fundamentais na dinâmica da socialização (Cidreira, 2005).
A cidade pode ser comparada a um grande espetáculo de teatro, em que as pessoas assumem personagens através do vestuário e assim, realizam performances.  O homem tem a necessidade de se expor através do corpo, como se o que ele estivesse vestindo fosse um texto.
Georg Simmel é um autor que primeiro sugeriu a analogia entre moda e máscara. Ele diz que as pessoas muito sensíveis utilizam-se da vestimenta para resguardar os segredos da sua alma. (Simmel, 1989).           
“A moda evoluiu e continuará a evoluir paralelamente ao mundo, muitas vezes sendo tão representativa ao ponto de definir a classe social e a profissão de quem a adota.” (Marta Kasznar Feghali e Daniela Dwyer, As engrenagens da moda, Ed. SENAC Rio, 2001, p. 10).
A sociedade contemporânea ativa o desejo por corpos perfeitos, através de uma enxurrada de imagens que está em circulação em praticamente todos os meios midiáticos. O corpo humano é dotado de várias características, que nem sempre estão de acordo com o padrão de beleza exigido pela sociedade. O corpo está sujeito a mudanças que, em muitas vezes, são indesejáveis ou imprevisíveis, pois, ao longo dos anos, ele vai sofrendo alterações no peso, nas formas, no funcionamento e, inclusive, nos ritmos. Nesse contexto, a moda serve para modelar e deixar o corpo mais favorável às determinadas características. É possível parecer mais magra, alongar o corpo, esconder o que é considerado feio e valorizar o que ele tem de melhor. (SILVA JÚNIOR, LADISLAU E NIQUINI, 2006).
O corpo segue a moda, que serve de estímulo para mantê-lo sempre mudando e fazê-lo adquirir novas formas.
Os cuidados com a aparência, por exemplo, tornam-se quase que obrigatórios, já que há uma procura grande pela perfeição do corpo e isso é exigido incessantemente pela sociedade. Isso acontece exatamente a partir do desenvolvimento da indústria cosmética, na lógica do só é feio quem quer (MESQUITA, 2004, p. 63).
De acordo com Mendonça (2008), o jeito do indivíduo se vestir, mesmo que ele siga ou não as tendências, expressa as características e subjetividade do mesmo, já que ele encontra na roupa uma forma de manifestar-se sobre a sua “tribo”, a sua classe social e até mesmo, sobre coisas ainda mais subjetivas, como o seu humor naquele dia, por exemplo.
A identidade é uma particularidade que cada ser humano. O Dicionário Aurélio (2008), define a identidade como um conjunto de características próprias e exclusivas de cada ser humano com os quais elas são diferenciadas umas das outras, seja pelo conjunto das dessemelhanças, peculiaridades ou das características semelhantes. Pode-se incluir, nesta conjuntura, o modo de se vestir e como a pessoa utiliza-se do seu corpo e da moda. 
O individualismo pode ser identificado em diversos setores da moda, da vida e das atitudes, mas nunca se manifestou tão fortemente como no vestuário, “isso porque o traje, o penteado, a maquiagem são os signos mais imediatamente espetaculares da afirmação do Eu.” (Lipowetsky, 2009). As escolhas individuais fizeram com que a moda fosse um instrumento de liberdade e da diferença.
A busca pela identidade se deu de diversas formas ao longo dos séculos, mas a moda não está presente em toda a história. Ela tem um começo identificável. Durante muito tempo, as sociedades se desenvolveram sem o conceito do efêmero, do novo e sem a instabilidade trazida por eles. Mas, a partir do final da Idade Média já é possível reconhecer “a moda como sistema” (Lipowetsky, 2009).
Homens e mulheres se vestiam semelhantemente no século XV ( Wilson 1985). As vestimentas apertavam os seios das mulheres para que eles ficassem sem formas, as golas das blusas eram viradas, os chapéus eram altos e com abas redondas, os punhos eram como os de mosqueteiros, além de terem que usar, ambos, luvas, sapatos, meias e calças. Esse período marcou a falta de identidade de gênero, uma vez que todos usavam no corpo as mesmas vestimentas, sem distinção de cores e modelos. Pode-se dizer que era uma época em que os direitos e deveres das mulheres e dos homens eram praticamente iguais. Não havia tanta distinção de gênero e o sexo feminino não era considerado tão frágil.
A moda começa a aparecer antes da metade do século XIV, quando os vestuários masculinos e femininos se distanciam um do outro e exaltam mais os atributos de cada sexo (Lipowetsky, 2009).
No século XVII, a roupa começava a representar, segundo Wilson (1985), a privacidade, o conforto e a higiene, direcionando à ideia de decência, modéstia e delicadeza, os quais, podem ser identificados como identidade. A burguesia demonstrava, por meio de suas roupas, identificação de moral, sobriedade, bom gosto e requinte. Por muito tempo, essa classe queria se assemelhar à Aristocracia, e essa, por sua vez, tentava mudar para ainda ter a identidade soberana. A burguesia, no entanto, não aderiu a todas as excentricidades da aristocracia e foi lapidando a sua moda. No século XVII já existe uma moda paralela à da nobreza “livre dos excessos aristocráticos e conforme aos valores burgueses de prudência, de medida, de utilidade, de limpeza, de conforto.” (Lipowetsky, 2009).
 No começo do período industrial a diferença entre os gêneros era mais evidenciada por meio das roupas, tendo a moda como elemento fundamental para a individualidade dos gêneros. Foi no período industrial que as roupas surgiram de forma mais elegante, com maior poder de atração sexual.
No século XIX, a identidade, identificada pela aparência da mulher burguesa era uma forma de produção artística, tendo ela uma personalidade única, educada para o casamento. Nesta época, o vestuário era um dos aspectos da mobilidade social. 
No período pós-moderno aparece a diversidade de estilos, fazendo que o mundo se fragmente e deixe de ter a moda parisiense como sua pedra angular. Assim, começa a surgir uma mistura de estilos como reflexos, dentre as quais, pode-se citar o retro-chique, o plagiarismo, o étnico-chic, dentre outros. 
No pós-guerra, as mulheres voltaram a se trajar mais semelhantemente com o vestuário masculino, pois precisavam ir trabalhar e sustentar a casa, já que o marido estava na guerra ou tinha sido morto. O vestuário representa, também a identidade que aquele corpo precisa assumir para melhor sobreviver.
Essa transformação ao longo dos anos levou o homem a criar seu próprio estilo. Segundo Mesquita (2004), desta forma é possível questionar se o seu corpo é a identidade de cada indivíduo. Além disso, a subjetividade e corpo devem ser considerados como algo único, uma vez que o corpo é o lugar onde a subjetividade é concretamente materializada e encarnada. 
O homem cria sua particularidade por meio da transformação física e, assim, busca obter controle sobre si próprio e sobre seu destino. Ele constrói também sua representação física e valoriza sua imagem pessoal. Além disso, sua identidade é reafirmada como na criação de uma segunda pele. É a esse modo de se vestir, de escolher a moda que deseja, a preocupação com a aparência e na transformação do corpo que é dada a construção da identidade, materializando o próprio corpo. (Mesquita, 2004). 
Na busca incessante pela identidade, o homem passa a ser um consumidor complusivo, pois precisa preencher o vazio dentro dele, que se dá devido à efemeridade da moda. A moda, que é sinônimo de mudança passa muito rápido e já é substituída por outra. Assim, a identidade que estava sendo construída é perdida, mas já suprida instantaneamente, causando uma sensação de perda no ser humano.
Segundo Erner (2005), outra forma de criar a identidade, é a associar a moda com a religião, visto que as pessoas possuem suas dignidades diferentes e individuais, mas que atende parcialmente a mesma função, o qual seja a de influenciar no modo como a identidade é fabricada na atualidade. Essa mesma sociedade que determina moda e religião adotou como princípio dominante a autonomia, o qual cada ser tem a livre escolha para fazer da sua vida o que decidirem. No caso da religião, há certo determinismo e, em matéria de roupa, o homem decide sua maneira de vestir. Isso reflete, diretamente, no trabalho sobre sua identidade.
As marcas também tem o seu papel na procura pela identidade humana, uma vez que há a preocupação com a moda requintada. roupas finas, de grife, também são uma forma que o homem encontrou para construir sua identidade. Os adolescentes, por exemplo, preocupam-se em vestir roupas de marca como forma de integração a um determinado grupo. É essa preocupação que eles têm com a aparência que se transforma em uma busca de identidade. (Erner, 2005). O poema de Drummond ilustra bem o tema:
Minhas meias falam de produtos
            Que nunca experimentei
            Mas são comunicados a meus pés.
            Meu tênis é proclama colorido
            De alguma coisa não provada
            Por este provador de longa idade.
            Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
            Minha gravata e cinto e escova e pente,
            Meu copo, minha xícara,
            Minha toalha de banho e sabonete,
            Meu isso, meu aquilo.
            Desde a cabeça ao bico dos sapatos,
            São mensagens,
            Letras falantes,
            Gritos visuais,
            Ordens de uso, abuso, reincidências.
            Costume, hábito, permência,
            Indispensabilidade,
            E fazem de mim homem-anúncio itinerante,
            Escravo da matéria anunciada.
            Estou, estou na moda.
            É duro andar na moda, ainda que a moda
           Seja negar minha identidade

(Fragmento do poema “Eu, etiqueta”,
Carlos Drummond de Andrade, Corpo, Ed. Record, 1986. p. 85)

Contudo, a construção da identidade via moda não se limita apenas à ideia de seguir tendência ou usar roupas de marca, mas, também, é algo constituído culturalmente pelas próprias sociedades, uma vez que elas se pautam pela aparência. 
O homem tem necessidade de distinção e imitação. Assim como aconteceu entre Burguesia e Aristocracia, no passado. A primeira queria ser considerada tão nobre quanto a segunda a imitava e a segunda queria ser ainda mais superior, mudava a fim de distinguir-se.
A identidade, segundo a sociedade reflexiva, é criada por meio das roupas e marcas e, esses podem informar sobre a posição social e às vezes sobre seu nível de renda. Já a identidade criada pelas sociedades aristocráticas foram baseadas na relação de submissão entre os homens à convenções quase “fixas”. Hoje as formas evoluem, surgindo, juntamente, a necessidade de atualizar o conhecimento de convenções que não param de se transformar. 
Considerando a junção de todo o contexto da identidade, a moda se torna “nós mesmos”, em que cada um é individualizado não mais se mobilizando coletivamente, pois a modernidade fabricou um homem voltado para si mesmo. Tal realidade leva à síndrome da compra compulsiva. Esse distúrbio refere-se à obsessão do individuo pela mudança de identidade, de procurar ser ele mesmo e ao mesmo tempo querer se tornar outro. Assim, surgem várias personalidades dentro de um mesmo corpo.
Dentro do consciente de cada um há a vontade e necessidade de tornamos nós mesmos e o desejo de entrarmos em relação com o outro. Desta forma, a moda pode experimentar ter esse papel integrador; ela permite que o indivíduo se situe pela oposição, que ele se integre e, ao mesmo tempo, se diferencie (Erner, 2005).
Nota-se, neste contexto, que a moda se revela como uma ansiedade do individuo por se tornar ele mesmo com suas relações com as tendências e marcas, fazendo com que estes se tornassem um importante componente do jogo social. O indivíduo satisfaz uma das necessidades essenciais do ser humano que é narrar contos para si e para os outros, sendo o narrador em alguns casos, o leitor em outros, tendo a identidade como elemento inseparável da narrativa. 
As histórias, segundo Erner (2005), são contadas pelas grandes marcas para vender o maior numero possíveis de objetos, permitindo ao consumidor projetar sonhos ou fantasias. O homem acredita que é por causa da moda, seja ela criada ou sonhada, que fez com que as pessoas se tornassem tão pessoas, cada um conforme sua personalidade. Cada um pode escolher uma identidade, trocar de cabeça ou de corpo para finalmente ter aquele que merece e, neste caso, a moda responde à preocupação de forma agradável, satisfazendo a criança lúdica que existe em cada ser humano no processo de construção identitária.
Por fim, a moda liga corpo e ser, satisfazendo o imaginário humano. A subjetividade do homem é mostrada pelo modo dele se apresentar à sociedade, em que o grupo, classe social, desejos de agregação ou distinção são demonstrados através da vestimenta. Então, o que é visto como frivolidade, afinal não pode ser considerado tão fútil assim, pois a moda exterioriza o que o ser humano é, ou deseja ser, por dentro. 


Referências Bibliográficas:

CASTILHO, Kathia (Org). Corpo e moda: por uma compreensão do contemporâneo. Barueri: Estação das Letras e Cores Editora, 2008.
ERNER, Guillaume. Vítimas da moda. São Paulo: Senac, 2005.
MARTINS, S. B. Ergonomia e moda: repensando a segunda pele. São Paulo: Estação das letras e cores, 2008.
MESQUITA, Cristiane. Moda Contemporânea: quatro ou cinco conexões possíveis. São Paulo: Anhembi Morumbi, 2004.
SILVA JUNIOR, José Aelson da; LADISLAU, Carlos Rogério; NIQUINI, Cláudia Mara. A moda na carne viva: imagem, corpo e consumo: aproximações teóricas. Montes Claros: Unimontes, 2006.
SUGIMOTO, Luiz. A história do corpo humano. São Paulo: Universidade Estadual de Campinas, 2005.
WILSON, Elisabeth. Enfeitada de Sonhos: moda e modernidade. Tradução Maria João Freire. Rio de Janeiro; Lisboa – PORTUGAL: Edições 70, 1985.
LIPOWETSKY, Gilles. O império do efêmero. Cia das Letras: São Paulo, 2009.
Fragmento do poema “Eu, etiqueta”, Carlos Drummond de Andrade, Corpo, Ed. Record, 1986. p. 85.

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