Por:
Fernanda Moraes e Lara Rogedo
Resumo: O artigo faz uma análise sobre o corpo, sobre a
moda e os relaciona com a identidade. As relações entre moda e corpo são
apresentadas, a fim de demonstrar a intrínseca dependência entre ambos. A
aparência física comprova aquilo que cada um quer mostrar de sua subjetividade,
seja para estar em sintonia com a moda, seja para se sentir bem. Há um conflito
constante no mundo da moda: de um lado o desejo de distinguir-se dos demais, de
quebrar as regras do jogo, ainda que temporariamente - ideia de singularidade,
vontade de nos tornamos nós mesmos - e do outro há a necessidade de imitação
como modo de estabelecer uma proximidade com o outro. Há um terreno esplêndido
para a moda expandir-se e funcionar na subjetividade como um dos vetores mais
importantes na constituição do sujeito. A Moda diz
respeito a uma questão essencial para os contemporâneos, talvez a mais
essencial de todas: a de sua identidade.
A
moda, denominada por muitos um fenômeno fútil e um caso frívolo, determina o
estilo de vida e o hábito dos cidadãos.
Pode
ser considerado um fenômeno cultural e social, ligado a uma experiência de um
tempo e àquilo que é visível. Através dela, é possível compreender o tempo e o
contexto em que está inserida.
A
vida coletiva e moderna é ditada pela moda, que está no topo do poder, no
comando das sociedades. “A moda não é mais um enfeite estético, um acessório
decorativo da vida coletiva; é sua pedra angular.” (Lipowetsky, 2009)
O
indivíduo utiliza a moda para se distinguir, se diferenciar, para tentar uma
agregação no meio social desejado e para atingir desejos. A pessoa se expressa
através do vestuário e isso faz com que ela se signifique e se afirme no
mundo. A moda é parte do comportamento humano pelo fato de ela ter criado
uma supervalorização da imagem, levando as pessoas a acreditarem que o corpo é
o principal local da identidade. A indumentária é o elemento mediador entre o
homem e a cultura (Cidreira, 2005).
O
“parecer” é tema central de qualquer discussão, pesquisa e estudo sobre moda,
pois é o vestuário que proporciona ao homem “toda a heterogeneidade de sua
ordem” e o significa no mundo (Lipowetsky, 2009)
No
meio social, o trajar assume a condição de texto e permite uma leitura sobre a
identidade de cada um. Isso faz com que o indivíduo possa se apropriar de
diversos signos que passem mensagens sobre ele. A vestimenta sempre foi fator
modificador, transformador do corpo humano. A aparência corporal é um conjunto
de determinismos estruturais e culturais, que são fundamentais na dinâmica da
socialização (Cidreira, 2005).
A
cidade pode ser comparada a um grande espetáculo de teatro, em que as pessoas
assumem personagens através do vestuário e assim, realizam performances.
O homem tem a necessidade de se expor através do corpo, como se o que ele
estivesse vestindo fosse um texto.
Georg
Simmel é um autor que primeiro sugeriu a analogia entre moda e máscara. Ele diz
que as pessoas muito sensíveis utilizam-se da vestimenta para resguardar os
segredos da sua alma. (Simmel,
1989).
“A
moda evoluiu e continuará a evoluir paralelamente ao mundo, muitas vezes sendo
tão representativa ao ponto de definir a classe social e a profissão de quem a
adota.” (Marta Kasznar Feghali e Daniela Dwyer, As engrenagens da moda, Ed.
SENAC Rio, 2001, p. 10).
A
sociedade contemporânea ativa o desejo por corpos perfeitos, através de uma
enxurrada de imagens que está em circulação em praticamente todos os meios
midiáticos. O corpo humano é dotado de várias características, que nem sempre
estão de acordo com o padrão de beleza exigido pela sociedade. O corpo está
sujeito a mudanças que, em muitas vezes, são indesejáveis ou imprevisíveis, pois, ao longo dos anos, ele vai
sofrendo alterações no peso, nas formas, no funcionamento e, inclusive, nos
ritmos. Nesse contexto, a moda serve para modelar e deixar o corpo mais
favorável às determinadas características. É possível parecer mais magra,
alongar o corpo, esconder o que é considerado feio e valorizar o que ele tem de
melhor. (SILVA JÚNIOR, LADISLAU E NIQUINI, 2006).
O
corpo segue a moda, que serve de estímulo para mantê-lo sempre mudando e
fazê-lo adquirir novas formas.
Os
cuidados com a aparência, por exemplo, tornam-se quase que obrigatórios, já que
há uma procura grande pela perfeição do corpo e isso é exigido incessantemente
pela sociedade. Isso acontece exatamente a partir do desenvolvimento da
indústria cosmética, na lógica do só é feio quem quer (MESQUITA, 2004, p. 63).
De
acordo com Mendonça (2008), o jeito do indivíduo se vestir, mesmo que ele siga
ou não as tendências, expressa as características e subjetividade do mesmo, já
que ele encontra na roupa uma forma de manifestar-se sobre a sua “tribo”, a sua
classe social e até mesmo, sobre coisas ainda mais subjetivas, como o seu humor
naquele dia, por exemplo.
A
identidade é uma particularidade que cada ser humano. O Dicionário Aurélio (2008),
define a identidade como um conjunto de características próprias e exclusivas
de cada ser humano com os quais elas são diferenciadas umas das outras, seja
pelo conjunto das dessemelhanças, peculiaridades ou das características
semelhantes. Pode-se incluir, nesta conjuntura, o modo de se vestir e como a
pessoa utiliza-se do seu corpo e da moda.
O
individualismo pode ser identificado em diversos setores da moda, da vida e das
atitudes, mas nunca se manifestou tão fortemente como no vestuário, “isso
porque o traje, o penteado, a maquiagem são os signos mais imediatamente
espetaculares da afirmação do Eu.” (Lipowetsky, 2009). As escolhas individuais
fizeram com que a moda fosse um instrumento de liberdade e da diferença.
A
busca pela identidade se deu de diversas formas ao longo dos séculos, mas a
moda não está presente em toda a história. Ela tem um começo identificável.
Durante muito tempo, as sociedades se desenvolveram sem o conceito do efêmero,
do novo e sem a instabilidade trazida por eles. Mas, a partir do final da Idade
Média já é possível reconhecer “a moda como sistema” (Lipowetsky, 2009).
Homens
e mulheres se vestiam semelhantemente no século XV ( Wilson 1985). As
vestimentas apertavam os seios das mulheres para que eles ficassem sem formas,
as golas das blusas eram viradas, os chapéus eram altos e com abas redondas, os
punhos eram como os de mosqueteiros, além de terem que usar, ambos, luvas,
sapatos, meias e calças. Esse período marcou a falta de identidade de gênero,
uma vez que todos usavam no corpo as mesmas vestimentas, sem distinção de cores
e modelos. Pode-se dizer que era uma época em que os direitos e deveres das
mulheres e dos homens eram praticamente iguais. Não havia tanta distinção de
gênero e o sexo feminino não era considerado tão frágil.
A
moda começa a aparecer antes da metade do século XIV, quando os vestuários
masculinos e femininos se distanciam um do outro e exaltam mais os atributos de
cada sexo (Lipowetsky, 2009).
No
século XVII, a roupa começava a representar, segundo Wilson (1985), a
privacidade, o conforto e a higiene, direcionando à ideia de decência, modéstia
e delicadeza, os quais, podem ser identificados como identidade. A burguesia
demonstrava, por meio de suas roupas, identificação de moral, sobriedade, bom
gosto e requinte. Por muito tempo, essa classe queria se assemelhar à Aristocracia,
e essa, por sua vez, tentava mudar para ainda ter a identidade soberana. A
burguesia, no entanto, não aderiu a todas as excentricidades da aristocracia e
foi lapidando a sua moda. No século XVII já existe uma moda paralela à da
nobreza “livre dos excessos aristocráticos e conforme aos valores burgueses de
prudência, de medida, de utilidade, de limpeza, de conforto.” (Lipowetsky,
2009).
No começo do período industrial a diferença
entre os gêneros era mais evidenciada por meio das roupas, tendo a moda como
elemento fundamental para a individualidade dos gêneros. Foi no período
industrial que as roupas surgiram de forma mais elegante, com maior poder de
atração sexual.
No
século XIX, a identidade, identificada pela aparência da mulher burguesa era
uma forma de produção artística, tendo ela uma personalidade única, educada
para o casamento. Nesta época, o vestuário era um dos aspectos da mobilidade
social.
No
período pós-moderno aparece a diversidade de estilos, fazendo que o mundo se
fragmente e deixe de ter a moda parisiense como sua pedra angular. Assim,
começa a surgir uma mistura de estilos como reflexos, dentre as quais, pode-se
citar o retro-chique, o plagiarismo, o étnico-chic, dentre outros.
No
pós-guerra, as mulheres voltaram a se trajar mais semelhantemente com o
vestuário masculino, pois precisavam ir trabalhar e sustentar a casa, já que o
marido estava na guerra ou tinha sido morto. O vestuário representa, também a
identidade que aquele corpo precisa assumir para melhor sobreviver.
Essa
transformação ao longo dos anos levou o homem a criar seu próprio estilo.
Segundo Mesquita (2004), desta forma é possível questionar se o seu corpo é a
identidade de cada indivíduo. Além disso, a subjetividade e corpo devem ser
considerados como algo único, uma vez que o corpo é o lugar onde a
subjetividade é concretamente materializada e encarnada.
O
homem cria sua particularidade por meio da transformação física e, assim, busca
obter controle sobre si próprio e sobre seu destino. Ele constrói também sua
representação física e valoriza sua imagem pessoal. Além disso, sua identidade
é reafirmada como na criação de uma segunda pele. É a esse modo de se vestir,
de escolher a moda que deseja, a preocupação com a aparência e na transformação
do corpo que é dada a construção da identidade, materializando o próprio corpo.
(Mesquita, 2004).
Na
busca incessante pela identidade, o homem passa a ser um consumidor complusivo,
pois precisa preencher o vazio dentro dele, que se dá devido à efemeridade da
moda. A moda, que é sinônimo de mudança passa muito rápido e já é substituída
por outra. Assim, a identidade que estava sendo construída é perdida, mas já
suprida instantaneamente, causando uma sensação de perda no ser humano.
Segundo
Erner (2005), outra forma de criar a identidade, é a associar a moda com a
religião, visto que as pessoas possuem suas dignidades diferentes e
individuais, mas que atende parcialmente a mesma função, o qual seja a de
influenciar no modo como a identidade é fabricada na atualidade. Essa mesma
sociedade que determina moda e religião adotou como princípio dominante a
autonomia, o qual cada ser tem a livre escolha para fazer da sua vida o que
decidirem. No caso da religião, há certo determinismo e, em matéria de roupa, o
homem decide sua maneira de vestir. Isso reflete, diretamente, no trabalho
sobre sua identidade.
As
marcas também tem o seu papel na procura pela identidade humana, uma vez que há
a preocupação com a moda requintada. roupas finas, de grife, também são uma
forma que o homem encontrou para construir sua identidade. Os adolescentes, por
exemplo, preocupam-se em vestir roupas de marca como forma de integração a um
determinado grupo. É essa preocupação que eles têm com a aparência que se
transforma em uma busca de identidade. (Erner, 2005). O poema de Drummond
ilustra bem o tema:
Minhas meias falam
de produtos
Que nunca experimentei
Mas são comunicados a meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
De alguma coisa não provada
Por este provador de longa idade.
Meu lenço, meu relógio, meu
chaveiro,
Minha gravata e cinto e escova e
pente,
Meu copo, minha xícara,
Minha toalha de banho e sabonete,
Meu isso, meu aquilo.
Desde a cabeça ao bico dos sapatos,
São mensagens,
Letras falantes,
Gritos visuais,
Ordens de uso, abuso,
reincidências.
Costume, hábito, permência,
Indispensabilidade,
E fazem de mim homem-anúncio itinerante,
Escravo da matéria anunciada.
Estou, estou na moda.
É duro andar na moda, ainda que a
moda
Seja negar minha identidade
(Fragmento do poema “Eu, etiqueta”,
Carlos Drummond de Andrade, Corpo, Ed. Record, 1986. p. 85)
Contudo,
a construção da identidade via moda não se limita apenas à ideia de seguir
tendência ou usar roupas de marca, mas, também, é algo constituído
culturalmente pelas próprias sociedades, uma vez que elas se pautam pela
aparência.
O
homem tem necessidade de distinção e imitação. Assim como aconteceu entre
Burguesia e Aristocracia, no passado. A primeira queria ser considerada tão
nobre quanto a segunda a imitava e a segunda queria ser ainda mais superior,
mudava a fim de distinguir-se.
A
identidade, segundo a sociedade reflexiva, é criada por meio das roupas e
marcas e, esses podem informar sobre a posição social e às vezes sobre seu
nível de renda. Já a identidade criada pelas sociedades aristocráticas foram
baseadas na relação de submissão entre os homens à convenções quase “fixas”.
Hoje as formas evoluem, surgindo, juntamente, a necessidade de atualizar o
conhecimento de convenções que não param de se transformar.
Considerando
a junção de todo o contexto da identidade, a moda se torna “nós mesmos”, em que
cada um é individualizado não mais se mobilizando coletivamente, pois a
modernidade fabricou um homem voltado para si mesmo. Tal realidade leva à
síndrome da compra compulsiva. Esse distúrbio refere-se à obsessão do individuo
pela mudança de identidade, de procurar ser ele mesmo e ao mesmo tempo querer
se tornar outro. Assim, surgem várias personalidades dentro de um mesmo corpo.
Dentro
do consciente de cada um há a vontade e necessidade de tornamos nós mesmos e o
desejo de entrarmos em relação com o outro. Desta forma, a moda pode
experimentar ter esse papel integrador; ela permite que o indivíduo se situe
pela oposição, que ele se integre e, ao mesmo tempo, se diferencie (Erner,
2005).
Nota-se,
neste contexto, que a moda se revela como uma ansiedade do individuo por se
tornar ele mesmo com suas relações com as tendências e marcas, fazendo com que
estes se tornassem um importante componente do jogo social. O indivíduo
satisfaz uma das necessidades essenciais do ser humano que é narrar contos para
si e para os outros, sendo o narrador em alguns casos, o leitor em outros,
tendo a identidade como elemento inseparável da narrativa.
As
histórias, segundo Erner (2005), são contadas pelas grandes marcas para vender
o maior numero possíveis de objetos, permitindo ao consumidor projetar sonhos
ou fantasias. O homem acredita que é por causa da moda, seja ela criada ou
sonhada, que fez com que as pessoas se tornassem tão pessoas, cada um conforme
sua personalidade. Cada um pode escolher uma identidade, trocar de cabeça ou de
corpo para finalmente ter aquele que merece e, neste caso, a moda responde à
preocupação de forma agradável, satisfazendo a criança lúdica que existe em
cada ser humano no processo de construção identitária.
Por fim, a
moda liga corpo e ser, satisfazendo o imaginário humano. A subjetividade do
homem é mostrada pelo modo dele se apresentar à sociedade, em que o grupo, classe
social, desejos de agregação ou distinção são demonstrados através da
vestimenta. Então, o que é visto como frivolidade, afinal não pode ser
considerado tão fútil assim, pois a moda exterioriza o que o ser
humano é, ou deseja ser, por dentro.
Referências Bibliográficas:
Referências Bibliográficas:
CASTILHO, Kathia
(Org). Corpo e moda: por uma compreensão do contemporâneo. Barueri:
Estação das Letras e Cores Editora, 2008.
ERNER, Guillaume. Vítimas
da moda. São Paulo: Senac, 2005.
MARTINS, S. B.
Ergonomia e moda: repensando a segunda pele. São Paulo: Estação das letras e
cores, 2008.
MESQUITA, Cristiane. Moda
Contemporânea: quatro ou cinco conexões possíveis. São Paulo: Anhembi
Morumbi, 2004.
SILVA JUNIOR, José Aelson da; LADISLAU, Carlos Rogério; NIQUINI,
Cláudia Mara. A moda na carne viva: imagem, corpo e consumo:
aproximações teóricas. Montes Claros: Unimontes, 2006.
SUGIMOTO, Luiz. A história do corpo humano. São Paulo:
Universidade Estadual de Campinas, 2005.
WILSON, Elisabeth. Enfeitada de Sonhos: moda e modernidade.
Tradução Maria João Freire. Rio de Janeiro; Lisboa – PORTUGAL: Edições 70,
1985.
LIPOWETSKY, Gilles. O império do efêmero. Cia
das Letras: São Paulo, 2009.
Fragmento do poema “Eu, etiqueta”, Carlos Drummond de Andrade, Corpo, Ed. Record,
1986. p. 85.
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