segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

A moda e a cópia

por Gabriela Faria e Letícia Gaio 




A cópia existe desde o início dos tempos, ela abrange o mundo das artes, literatura, música, cinema, obras de arte e moda, além da internet e, mais recentemente, a genética. Historicamente, a cópia surgiu em meio a tradições chinesas, passadas de mestre para aluno, para que artistas chineses pudessem entrar no mundo da arte contemporânea. Na crônica “A China é uma loja de molduras”, Bernardo Carvalho analisa que “ com sua antiga e enraizada tradição de aprender dos mestres, as mentes criativas chinesas estavam prontas para compreender o que lhes era requerido para que pudessem entrar no mundo da arte contemporânea. Na China, a ‘imitação’ nunca foi motivo de vergonha.” (CARVALHO. Bernardo, 2003, Mongólia)
Na moda, o comércio de cópias primeiramente apareceu no circuito comercial do Atlântico, no consumo de bens e mercadorias exóticos, em larga escala, pela elite européia. Gabriel Tarde sublinhava  o interesse dos consumidores pelas novidades vindas do estrangeiro. Segundo Appadurai “o quadro começa a mudar com o estabelecimento do circuito comercial do Atlântico, com a afluência de bens e mercadorias exóticas em larga escala em meio às elites européias” (APPADURAI,1986, p. 45). A sociedade elitista européia queria consumir o exclusivo. Maior era a condição social daquele que tinha o raro, quanto menos exemplares disponíveis, mais valorizado era o produto e seu proprietário. Eis a mudança de valor. 

“Made in Chine, hoje, é ‘marca registrada’ de produto barato e de pouca qualidade. Na realidade, as cópias e demaias produtos tipo ‘bugingangas’ têm sido âncora do crescimento econômico chinês, uma vez que o mesmo está alicerçado na proliferação da pequena e media indústria, especialmente em zonas e cidades especiais de produção e exportação no sul do país.” (MACHADO, Rosana Pinheiro, 2008)

Desde a reforma econômica de Deng Xiaoping, successor de Mao Tsé- Tung, a China tem adotado o lema “prosperidade e o desenvolvimento”, buscando o crescimento econômico local rápido e a geração de empregos para a população. Como o mercado de cópias visa quantidade e não qualidade, assim como a proposta de Xiaoping, esse seria o caminho mais rápido e eficiente para a China prosperar.

A mola propulsora do consumo de imitações é o baixo preço que se paga por elas. Geralmente, as réplicas custam em torno de 10% do preço dos produtos originais. Porém, pensar que apenas as classes populares são consumidores de cópias de luxo é um erro. Segundo Rosana Pinheiro Machado, “ no momento em que as pessoas das camadas medias adquirem tais cópias, existe um jogo social para que essas se passem por  legítimas.” (MACHADO, Rosana Pinheiro,2008) Isso ocorre devido ao status que marcas, como Louis Vuitton uma das mais copiadas no mundo todo, geram instantaneamente.

Na maioria das vezes, a cópia vem acompanhada do poikilos, um sedutor jogo de aparências, misturado à cores, animal prints, brilho e ao excesso de informações, todo o tipo de artifício que “disfarce” o falso, assim é mais fácil seduzir e  enganar o olhar. É o que acontece em barracas de camelôs e lojas na 25 de Março em São Paulo, o maior comércio de imitações no Brasil. 


Vários autores, artistas e estilistas já descorreram sobre o assunto em diversos aspectos, criação, mercado, tradição, identidade, etc. Estima-se que a imitação na moda vem sendo discutida desde o século XIX. Sua evolução deve-se à explosão  da tecnologia, antes, o que era um trabalho feito em indústrias, hoje é doméstico. Segundo Canclini “ ainda que os recursos tecnológicos não sejam onipotentes, sua simples invenção formal implicou mudanças culturais significativas” (CANCLINI,2001, p. 279).  . A cópia existe e está em fase de crescimento, assim como a prática de consumo desta.

“ a cópia no mundo contemporâneo constitui-se numa verdadeira floresta de práticas correlatadas produtora de uma imensa variedade de bens materiais e imateriais forjados a partir de algum procedimento que possa ser compreendido como cópia”. (BENJAMIN, Walter,1985)


Hebert Spencer notou que a moda se dá a partir das forças de imitação e distinção_ a classe inferior imita, e a superior vai em busca de exclusividade. Os novos consumidores de objetos de luxo, a classe média em geral, somente mantém esse título por causa da disponibilidade e intensificação da cópia no mercado consumidor. Apesar deste fato ser um dificultador de distinção sócio- econômico. Segundo Appadurai “ a cópia começa a ser vista como um problema quando ameaça a apropriação exclusiva de bens de alto valor simbólico” ( APPADURAI,1986, p.44)

Para alguns, a cópia é necessária no processo da criação. Para Paulo Borges, criador do São Paulo Fashion Week, “ o que existe são inspirações fortes e tendências com as quais o mundo globalizado está em sintonia.”, assim como a estilista Layana Thomaz, que acredita no “insconsciente coletivo de moda”. Rony Weisler, estilista da Reserva, defende que “ tudo na moda é referência. Todos os estilistas bebem da mesma fonte.” Adriana Bozon, diretora de criação da Ellus, justifica que “ não se pode mais falar em cópia. Todas as marcas, nacionais ou internacionais, têm acesso à informação, aos biros de pesquisa de tendência, à internet. As pessoas captam o espírito do tempo, o zeitgeist (…) a inspiração é livre.”  Para a estilista Glória Coelho “ tudo o que você enxerga pode ser seu. Se você reinterpretar, é seu.1

 Para outros, como o consultor de marketing de moda Silvio Chadad “é uma prática consciente, disseminada e inimputável.” Principalmente na moda, a cópia, ou plágio, reprodução, contrafação, imitação, falsificação ou pirataria, tem sido constante ultimamente, pode-se até dizer, assim como Marie Rucki do Studio Berçot2, que a última invenção na moda foi a minissaia.
 

“É bom lembrar que a ‘moda’, invenção contemporânea ao fenômeno em causa, conjugará a exclusividade com a rotatividade de modos de vestir e de se comportar. A ameaça da desvalorização pela popularização de uma tendência, que deixa de ser exclusiva, é, de certo modo, combatida pela substituição imediata dessa tendência por outra.” (BRANDÃO, 2011, p.198)


O modo como é tratado o plágio na moda em diferentes países e pela imprensa de cada, também é discutido. Segundo o estilista Jum Nakao, “se o Brasil fosse um país sério, a cópia seria um escândalo”. O que muitos relatam é que a imprensa brasileira acoberta os vários casos de cópia ou, quando comentam, o fazem de modo muito sutil, quase imperceptível.

A diferença de como cada país lida com a cópia na moda é percebida por suas leis. No brasil as leis que protegem seus produtos de imitações são as leis de Marcas e Patentes, Antipirataria, Cultivares e Direitos autorais, além dos tratados internacionais como as Convenções de Berna e de Paris, acordos como TRIPs ( Trade Related Intelectual Property Rights) e termos como copyright, copyleft e faire use.

Existem várias marcas que processaram ou ainda estão na justiça por motivo de plágio de produto ou marca registrada. Os mais famosos são Louboutin contra Yves Saint Laurent e Carmen Steffans , Van Cleef & Arple contra Heidi Klum . 

A Melissa é alvo constante de imitações, ou como alguns defendem, “inspirações”. Sempre que a marca lança um produto novo, encontramos vários outros parecidos em lojas mais populares ou em grifes estrangeiras, como a Moschino.

1- Julio Jeha,UFMG (Mimese e mundos possíveis): “Para o signo pouco importa se o objeto a que ele se refere exista apenas na cognição ou independentemente dela: a ação do signo é sempre a significação de outro signo. É a imitação de uma imitação.”

2-  <http://www.studio-bercot.com/>


Bibliografia

BRANDÃO, Ludmila. Moda em ziguezague: interfaces e expansões: Ensaio sobre a cópia na era da hiper reprodutibilidade técnica. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2011.
FERRAZ, Maria Cristina Franco. Platão- As artimanhas do fingimento. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1999.
PINHEIRO, Daniela. Cópia+ imita+ plagia= roupa nova. In: Revista Piauí. . N° 9.Editora Alvinegra. Junho/07

MACHADO-, Rosana Pinheiro. O Universo Made In China. In: .www.comciência.br Disponível em : < http:// www.comciencia.br/comciencia/  handler.php? section=8&edicao=36&id=434&tipo=1> Acessso em : 09/ 11/ 2011, às 10:58.

 LEVY, Marília.WULKA, Virna.Os sapatos da discórdia . In: www.tanamodaonline.com.br Disponível em: < http://tanamodaonline.com.br/ 2011/04/solado-da-discordia/>. Acessado em: 09/11/2011 às 10:30.

REDAÇÃO. Louboutin versus YSL. In: RG. Disponível em: < http:// siterg.ig.com.br/ moda/2001/08/14/ louboutin- versus- ysl/> Acessado em: 09/011/2011 às 10:35

REDAÇÃO. Louboutin x YSL. In: RG. Disponível em: < http:// siterg.ig.com.br/ moda/ 2011/ 04/ 11/ louboutin- x- ysl/> Acessado em: 09/11/2011 às 10:39

 
MACHADO-, Rosana Pinheiro. Made in China. In: www.lume.ufrgs.br. Disponível em: < http://www.lume.ufrgs.br/ bitstream/ handle10183/ 16895/ 000707088. pdf? sequence =1> Acessado em: 09/11/2011 às 11:00
Fair use. In: wikipedia.org. Disponível em: < http:// pt.wikipedia.org/wiki/Fair_use>
Acessado em: 13/11/2011 às 20:28
Copyright. In: wikipedia.org. Disponível em: < http:// pt.wikipedia.org/wiki/ copyright >Acessado em: 13/11/2011 às 17: 59
Copyleft. In: wikipedia.org. Disponível em: < http:// pt.wikipedia.org/wiki/copyleft >Acessado em: 13/11/2011 às 18:03
Direitos Morais. In: wikipedia.org. Disponível em: < http:// pt.wikipedia.org/wiki/Direitos_morais >Acessado em: 13/11/2011 às 18:05
Propriedade Intelectual. In: wikipedia.org. Disponível em: < http:// pt.wikipedia.org/wiki/Propriedade_Intelectual >Acessado em: 13/11/2011 às 18:07
Propriedade Industrial. In: wikipedia.org. Disponível em: < http:// pt.wikipedia.org/wiki/Propriedade_industrial >Acessado em: 13/11/2011 às 18:09

Licença Livre. In: wikipedia.org. Disponível em: < http:// pt.wikipedia.org/wiki/Licença _livre>Acessado em: 13/11/2011 às 18:13
Creative Commons. In: wikipedia.org. Disponível em: < http:// pt.wikipedia.org/wiki/Creative_Commons>Acessado em: 13/11/2011 às 20:32

Legislação. In: portal.mj.gov.br .Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/ main.asp? Team= %7BB7D984E8- 9817- 4F0B- 9B5C- DBE4259114B3%7D> Acessado em: 13/11/2011 às 20:40

JEHA, Julio. Mímese e mundos possíveis. In: www.juliojeha.pro.br Disponível em: <http:// www.juliojeha.pro.br/sign_res/mimese.pdf> Acessado em: 13/11/2011 às 21:00
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Resumo:
Tendo como norte o crescente mercado “Made in China”, este artigo percorre a história da cópia na moda, iniciado no circuito comercial do Atlântico, e mais tarde progredindo o mercado chinês, interferindo na economia mundial.

Este artigo também discute a relevância do plágio dentro da moda, como alguns estilistas julgam impossível a não existência de réplicas, a inspiração como imitação e o consciente coletivo de moda.


Palavras- chave: cópia, China, mercado, moda. 

Poikilos:
“remete a tudo que é multicar e heteródito.” (PLATÃO

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