quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Fragmentação da identidade e da paisagem urbana: a moda como unificadora de classes e a arquitetura das cidades como divisora

Por Julia de Assis e Nayara Rodrigues, estudantes de Moda do 7º período Universidade Fumec.

Resumo
Este artigo aborda a construção da identidade das gerações contemporâneas e as relações criadas entre identidade e o ambiente em que transitamos. Para tanto parte-se da divisão de classes que vigorou até o século XVII e como aconteceu a quebra destas normas, aparecendo novas formas de divisão identitária, seja ela expressa através dos modos de vestir ou de morar.

Palavras-chave: moda, paisagem urbana, identidade, fragmento

O modo como uma geração se comporta é sempre refletido nos seus modos de vestir, morar, comer, relacionar. Do século XIII ao século XVII, leis impunham como as pessoas deveriam trajar-se de acordo com seu nível social. Ao se desenvolver, a moda quebrou certos parâmetros mesclando as culturas de classes, mas a divisão territorial urbana continua a estabelecer certa separação destas.  O aspecto fragmentado do território, porém pode ser comparado à fragmentação da identidade de moda, transformação fundamental para a configuração do fim das classes no ato de vestir.
A classe trabalhadora foi atraída pela moda e a revolução industrial permitiu que as roupas fossem vendidas por valores menores. Houve então uma democratização da moda e certas distinções foram apagadas. O terno, por exemplo, é um marco desta nova era, pois é um item do vestuário que se expandiu de baixo para cima, ou seja, saiu das classes mais baixas para ser usado pelas classes altas, indo contra a norma de que os costumes de moda se difundem de cima para baixo. Desta maneira, a classe operária é incorporada ao sistema social de moda e assim como os ricos, passa a sentir a necessidade de se diferenciar enquanto individuos através de uma identidade de moda. Este novo movimento faz com que a moda ganhe velocidade, pois a classe alta perde exclusividade e necessita de novas modas que funcionem como marcadores de classe.
Barthes diz que o vestuário assegura a passagem do sensível para o sentido, nosso corpo nu nada significa, o vestuário que exterioriza e comunica nossos gostos. A partir do momento em que as leis suntuárias são abolidas, o gosto passa a ser algo cultivado culturalmente e não imposto ou inerente.  Assim os conceitos e divisões por “classe” não suportam mais a emergência da individualidade moderna em que a preocupação é exteriorizar sua identidade única, não pertencendo a nenhuma classe.  Ainda podemos encontrar afinidades de estilo ou diferenças, mas todas elas passam a coexistir sobrepostas e sem hierarquias. O indivíduo transita por espaços sem que nenhum deles seja imposto como um “padrão de gosto”. Na moda podemos sentir essa pluralidade em relação à velocidade em que as tendências se renovam e ao mesmo tempo permanecem. Svendsen fala sobre este novo ritmo da moda:
                O desafio para os consumidores está não em ter roupas “na moda”, mas em decidir que estilo querem seguir. Não é verdade que tudo é permitido. O que há de fato é uma pluralidade de normas existindo lado a lado.  Tomadas separadamente elas  podem ser tão rigorosas  quanto antes – ainda que as referentes as roupas tenham se tornado um pouquinho mais  frouxas -, mas agora numa medida muito maior que antes, o indivíduo pode saltar de uma norma para outra e por vezes usar roupas que atravessam várias delas. 1
Aparece aqui, uma nova lógica para o sistema de moda, definida pela suplementação, em que todas as tendências são recicladas, sem que uma tenha a obrigação de superar a outra,  como um patchwork de identidades.
Isto, aqui chamado de patchwork de identidades, nada mais é do que a construção estética do indivíduo a partir de fragmentos de referências diversas. No momento em que a moda chega neste ponto, é que ela passa a mesclar as classes definitivamente, ou melhor, do ponto de vista da moda, é quase impossível discernir a classe à qual pertence certa pessoa nos tempos atuais.
Por outro lado, existe outro elemento cultural que se torna responsável pela divisão dos níveis sociais. É claro que o território é um aspecto fundamental, porém não somente ele, mas também as diferenças estéticas e arquitetônicas existentes entre a cidade formal e a cidade informal, ou seja, os bairros e a favela.
Na favela, o fragmento não é só conceito identitário, ele é, fisicamente, parte integrante da construção da moradia dos que ali vivem. O "barraco" é construído com pedaços de tudo que o morador recolhe, e à medida que novos ou melhores vão sendo encontrados, substituem os antigos, em um processo de construção, desconstrução e reconstrução sem fim. Nunca o abrigo estará concluído ou a construção estagnada, nem mesmo quando se torna casa de alvenaria, como frisa Paola Jacques Berenstein:
         À medida que o abrigo vai evoluindo, os pedaços menores vão sendo substituídos por outros maiores, e o aspecto fragmentado da construção vai ficando cada vez mais evidente. O último estágio da evolução de um abrigo precário - a casa em alvenaria, sólida - já não é formalmente tão fragmentado, muito embora não deixe de ser fragmentário: a casa continua evoluindo. Os barracos são fragmentários porque se transformam continuamente. 2
Ora, é possível então se concluir que o fragmento, na atual conjuntura, determina dois papéis opostos em se tratando da hierarquização das classes: o de unificador, tendo como ponto de partida a moda e a construção de uma identidade fragmentada, e também o de divisor, se a análise for feita baseada na paisagem urbana. Seu caráter incompleto impulsiona a grande velocidade das mudanças e a efemeridade, e desta maneira, compõe os patchworks do cotidiano. Tudo em constante transformação.
Notas:
1. SVENDSEN, Lars. Moda: uma filosofía, p.66.
2. JACQUES, Paola Berenstein. Estética da ginga: a arquitetura das favelas através da obra de Helio Oiticica, p.23.

Bibliografias:
BARTHES, Roland. Sistema da moda. São Paulo: Editora Nacional, 1979.
BOURDIEU, Pierre. Pierre Bourdieu: sociología / organizador [da coletânea] Renato Ortiz; tradução: Paulo Montero e Alícia Auzmendi. São Paulo: Ática, 1983.
CERTEAU, Michel de.  A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer / Michel de Certeau; tradução: Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. 
JACQUES, Paola Berenstein. Estética da ginga: a arquitetura das favelas através da obra de Helio Oiticica / Paola Berenstein Jacques. Rio de Janeiro: Casa da Palabra, 2001.
SVENDSEN, Lars. Moda: uma filosofía/ Lars Svendsen; tradução: Maria Luisa X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.

Nenhum comentário:

Postar um comentário