domingo, 4 de dezembro de 2011

TRAMAS - por Camila Porto e Paula Rabelo

O projeto de arquitetura da trama, a escolha e a predisposição do fio para a organização e construção criativa do tecido. Aqui Trama não é vista apenas como textura, mas também como conceito, o que aponta para as diferentes formas de tramar, que serão privilegiadas neste artigo.

Palavras chave: Fios, Tecelagem, Construção, Textura e Mitologia.

A Trama é uma palavra originária do latim texere, que significa trançar, tramar fios. É um emaranhado de fios que se entrecruzam formando uma textura e também é o símbolo do destino da vida e da morte. Os fios tramam contextos, alinhavam histórias, arrematam elos de nossa cultura.
Na pré-história, os homens das cavernas começaram a observar a natureza (uma aranha fazendo sua teia, por exemplo) e foram armando, cruzando, entrelaçando elementos até conseguirem criar texturas para suprir suas necessidades domesticas e pessoais. Estava nascendo um tipo de textura através de um emaranhado de diversos materiais. Foi dela que se originou a tecelagem, obedecendo aos mesmos princípios do sobe-e-desce dos gravetos, que um dia foram substituídos por fibras vegetais e depois transformados em tecido.
Essa técnica deixou um grande legado para a humanidade, uma infinita variedade têxtil, além de objetos trançados, utensílios e adornos. No Brasil, mantos, cestarias, tangas, colares e adereços foram fiados pelos indígenas, ornamentando-os com penas de aves nativas. A tecelagem está presente no vestuário, acessórios como bolsas, sacolas e sapatos, tapetes de diferentes tipos e padrões, bandeiras, cortinas, toalhas e uma infinidade de coisas, não somente utilitárias mas também decorativas.
Conhecida por suas inúmeras técnicas de execução, a tecelagem chega ao status de moda e arte. Considerada arte menor, ela provou seu valor artístico com a criação de tapetes que ultrapassam os limites da mera utilidade, com qualidade estética em harmoniosas formas, texturas e cores, além de novos experimentos, resultando em trabalhos de nível, tal como a pintura e a escultura.
O ato de tecer consiste em entrecruzar fios em diversos sentidos ou seja, verticalmente – o urdume – e horizontalmente – a trama.
Para entrelaçar um fio de trama com os muitos fios de urdimento é possível se identificar um grande número de possibilidades de formar a haver uma diferenciação de um tecido para o outro (aparência e resistência), que podem atingir um número elevado, considerando variar o entrelaçamento de uma trama para a outra, quando infinitas as possibilidades.
O tear é um conjunto de dispositivos que, sincronizadamente, executam uma série de operações a cada ciclo, entrelaçando a Trama com o Urdume de diversas maneiras. O resultado final é o tecido.
Existem diferentes métodos para tecer: Os manuais, Tear de pente-liço e o Tear de pente – existe o médio designado a fabricação de tecidos mais encorpados e grossos, tais como tapetes, almofadas, colchas, mantas, bolsas, ..., e o outro é chamado de fino, produz tecidos finos e leves, especiais para o vestuário. E os métodos mecânicos, os mais usados são Método com 2 marchas, Método de pentes, Método mecânico, Método automático, dentre outros.
Chama-se de armação o trançado que permite planejar o entrelaçamento dos fios do urdume e da trama para produzir qualquer tipo de tecido. O tipo de cruzamento varia e é ele que vai determinar o estilo do pano, o seu desenho, a sua armação básica. Depois a operação é realizada no tecido por intermédio da maquineta de desenho, instrumento que se instala em cima ou embaixo do tear e que tem a função de movimentar os fios do urdume através dos quadros liços _ fios que sobem e descem para serem atravessados oportunamente pelos fios da tecelagem.
São três as principais armações, a mais básica e antiga é o Tafetá, na qual a trama passa alternativamente debaixo de um fio em cadeia ou elo soltando e prendendo esses elos, no qual o direito e o avesso dos tecidos, de forma idêntica. A Sarja é o tecido apresenta-se com canaletas ou frisos oblíquos, tanto no avesso como no lado direito. O fio da trama passa debaixo de um fio em cima de dois ou mais fios embaixo, deslocando-se sucessivamente no processo da tecelagem. E por ultimo o Cetim, armação que apresenta os pontos de ligação espaçados, tornando-a delicada. Esses pontos são simulados pelas flutuações dos fios, produzindo um brilho acetinado, de maior ou menor intensidade, segundo as distâncias das folgas.

“Há ainda a armação falsa ou artificial que é o resultado da combinação do urdimento com a tramagem que se cruzam por meio de fios com coloridos diferentes aplicados na armação. A técnica mais exata pode dar ás suas criações um valor mágico que um quadro nunca mais terá para nós”.(BENJAMIN, 2002, p.42.)

Nas diferentes formas de tramar, Freud, In: Freud: a trama dos conceitos, diz que tramar e tecer são invenções do feminino. Desde o alvorecer do mundo as primeiras atribuições da mulher estavam ligadas à arte de fiar. Freud associa a trama dos fios aos pelos pubianos que estão presos ao corpo, ao que, aproxima das demais figuras de fios que se cruzam, ao trabalho feminino de tramar e tecer, fios que se unem uns aos outros produzindo tecidos. O fio é vínculo de entrelaçamento, de determinação da origem, identifica o lugar de engendramento, mas também na ligação com outros fios enrola o tempo e constrói a história. E o corpo ele mesmo voltado à escrita, é um fio prodigioso, servindo como lugar de inscrição do traço e de leitura.  
   Segundo Freud, os tecidos, os véus além da função de encobrir  servirão  para desenhar o corpo, e no entrelaçamento dos fios identificaremos que estão ali não para velar o que se tem, mas precisamente o que não se tem. E numa das escrituras possíveis, a mulher, no caminho da feminilidade, usará o véu encobridor do furo inominável, máscara fálica, fazendo diferença à histeria, pois comporta o reconhecimento, não sem dor, de que seu sexo permanece um enigma.
Na mitologia o Fio de Ariadne, assim chamado devido à lenda de Ariadne, é o termo usado para descrever a resolução de um problema que se pode proceder de diversas maneiras óbvias (como exemplo: um labirinto físico, um quebra-cabeça de lógica ou um dilema ético), através de uma aplicação exaustiva da lógica por todos os meios disponíveis.
Ainda na mitologia, existe o fio do destino que conduz a vida de cada ser.
As Moiras eram as três irmãs que determinavam o destino, tanto dos deuses, quanto dos seres humanos. Eram três mulheres lúgubres, responsáveis por fabricar, tecer e cortar aquilo que seria o fio da vida de todos os indivíduos. Durante o trabalho, as moiras fazem uso da Roda da Fortuna, que é o tear utilizado para se tecer os fios. As voltas da roda posicionam o fio do indivíduo em sua parte mais privilegiada (o topo) ou em sua parte menos desejável (o fundo), explicando-se assim os períodos de boa ou má sorte de todos. As três deusas decidiam o destino individual dos antigos gregos, eram domadoras de deusas e homens.
O mito grego predominou entre os romanos a tal ponto que os nomes das divindades caíram em desuso. Entre eles eram conhecidas por Parcas chamadas Nona, Décima e Morta, que tinham respectivamente as funções de presidir a gestação e o nascimento, o crescimento e desenvolvimento, e o final da vida; a morte; notar entretanto, que essa regência era apenas sobre os humanos.
Nas diferentes formas de tramar, descobrimos  que a Trama vai além de uma textura material, o cruzamento de fios é mais que um conceito, vimos aqui tramas feitas em teares mecânicos, tramas manuais (o tricô); feitas com muito cuidado, com o sentimento das bordadeiras, um trabalho aprimorado e também tramas feitas nos teares manuais, feitas pelas mãos de antigas tecelãs. Cada textura, cada entrelaçamento, cada linha, cada fio representam uma emoção, cada forma conta uma história, a vida e o sentimento de quem ás produz.

Referências Bibliográficas :

CHATAIGNIER, GILDA. Fio a fio: tecidos, moda e linguagem. São Paulo: Estação das Letras, 2006.
BRUNO, FLÁVIO DA SILVEIRA. Tecelagem; conceitos e princípios. Rio de Janeiro: SENAI – DN, SENAI – CETIQT, 1992.
CASA NOVA, VERA LÚCIA DE CARVALHO. Texturas: ensaios. Belo Horizonte : PUC Minas, 2002.
PEZZOLO, DINAH BUENO. Tecidos: história, tramas, tipos e usos. São Paulo: Ed. SENAC São Paulo, 2007
MEZAN, RENATO. Freud: a trama dos conceitos: a trama dos conceitos. Perspectiva
Desenrolando o fio de Ariadne. In: Paxprofundis. Disponível em: < http://paxprofundis.org/livros/louco/louco.htm> Acesso em: 10 de novembro de 2011.

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